Mercado
Especialistas analisam futuro do imobiliário em Portugal perante a nova geopolítica
Num contexto internacional marcado pela incerteza, instabilidade e redefinição de estratégias, especialistas do setor imobiliário reuniram-se num evento da WIRE para discutir o papel de Portugal no novo xadrez geopolítico, avaliando os riscos e as oportunidades que se colocam ao investimento no país.
19/05/2025
Numa altura em que Portugal reforça a sua posição como destino atrativo para o investimento estrangeiro, o evento "Crise ou Oportunidade: O futuro de Portugal na nova geopolítica", realizado na última quinta-feira pela WIRE, lançou o debate sobre os impactos e contradições desse fenómeno. Entre o orgulho por atrair capital internacional e a preocupação com o acesso dos portugueses à habitação, o encontro destacou não só os desafios da atual conjuntura geopolítica, como também o papel cada vez mais visível das mulheres em cargos de liderança.
Na mesa-redonda de debate, moderada por Maria Santa Martha, Sócia da Abreu Advogados, estiveram presentes Patrícia Barão, Partner da DILS, Bianca Levy, Diretora Comercial da Norfin, Anne Brightman, Founder do Brightman Group, e Pedro Marques Lopes, comentador e colunista da SIC Notícias e do Expresso.
"Temos de olhar para o problema da habitação com realismo e ação"
Apesar de Portugal continuar a destacar-se como destino privilegiado para o investimento internacional, Patrícia Barão deixa um alerta: "o facto de sermos um país atrativo para o mercado internacional não significa que não devamos trabalhar, em paralelo, o tema da acessibilidade à habitação, que hoje representa um grande desafio".
A escassez de construção nova nas últimas décadas é um dos fatores estruturais apontados por Patrícia Barão. "Passámos décadas sem construção nova. Quando estamos a falar de uma média de 150 mil unidades vendidas por ano, mas só trazemos 11 mil novas para o mercado, é evidente que este problema surge inevitavelmente".
Entre os principais entraves identificados à construção, destaca-se a morosidade dos licenciamentos. "Um dos grandes desafios para promotores e investidores é o tempo que os projetos demoram até chegarem ao mercado. Temos de agilizar os licenciamentos. Já há trabalho a ser feito. O Governo colocou em cima da mesa o Simplex, que todos conhecemos e debatemos até à exaustão. Mas, de facto, temos de acelerar os processos de licenciamento de novos projetos habitacionais".
Outro aspeto que a responsável sublinha é o impacto da valorização dos imóveis. "Temos de olhar para o facto de que 73% das famílias portuguesas são proprietárias da sua casa ou estão a pagar a casa ao banco. Isto significa que, quando se fala na subida dos preços das casas, também temos de reconhecer que essas 73% das famílias viram, ou estão a ver, o seu maior ativo valorizar-se". Portanto, "quando dizemos que queremos que os preços das casas baixem, estamos, ao mesmo tempo, a dizer que queremos que o principal ativo de 73% das famílias portuguesas desvalorize"
Apesar da pressão sobre o mercado acessível, o segmento premium continua a apresentar um desempenho robusto e atrativo para investidores internacionais. "O mercado premium é espetacular. Temos promotores a apresentar projetos incríveis, sendo a Arrow um excelente exemplo, com uma qualidade excecional". No entanto, indica que "o ticket médio de um comprador americano em Portugal ronda os 750 mil euros. A média nacional, no entanto, está nos 214 mil euros. É uma diferença enorme. Está tudo certo, mas a maioria dos portugueses não tem 750 mil euros para comprar uma casa".
"Sem os privados, não conseguimos trazer novos projetos para o mercado. Este é um desenvolvimento que tem de ser feito"
Neste sentido, destaca a importância da construção acessível, que, segundo a Partner da DILS, depende de "condições criadas através de colaborações estratégicas". As parcerias público-privadas "são essenciais, e temos o exemplo da vizinha Espanha, que tem feito um excelente trabalho, especialmente em Madrid. Temos também património público que poderia estar a ser integrado em planos com privados".
Patrícia Barão destaca, assim, três pilares fundamentais para a habitação: trazer nova construção, agilizar os licenciamentos e reforçar as parcerias público-privadas. "Trabalhar nestes eixos ajudará a encontrar soluções para a crise no acesso à habitação".
"O Algarve tem sido um mercado super robusto e tem-se mantido constante"
Por outro lado, Bianca Levy, Diretora Comercial da Norfin, analisou a evolução do mercado imobiliário de luxo e o papel crescente do Algarve neste contexto internacional. "Portugal continuará a atrair investimento estrangeiro no segmento de luxo, sem dúvida. No entanto, há aqui uma grande mudança de perfil e de exigências neste mercado. Passámos de um comprador muito motivado pelos benefícios fiscais de que já falámos, para um comprador impulsionado por um estilo de vida sustentado na segurança e na estabilidade política, mas isso já não é o principal fator. O clima, a segurança e a qualidade dos serviços são fundamentais para estes compradores, sobretudo quando aliados a um preço acessível".
O Algarve, neste cenário, destaca-se não apenas pela sua beleza natural, mas também pelo posicionamento competitivo face a outros destinos europeus. "Se Portugal é um paraíso, o Algarve é um oásis. Atualmente, o mercado compara-se com a costa francesa, italiana, as Baleares, entre outras. Temos um forte potencial de valorização e um investimento seguro, que continua a atrair muitos investidores internacionais".
Entre os perfis em destaque, estão os reformados de países desenvolvidos, os nómadas digitais e os investidores com foco em segunda habitação. "Vamos continuar a ter uma grande procura por parte de reformados de países desenvolvidos. Os nómadas digitais vão continuar a representar uma procura significativa. Acredito também que haverá procura por parte de investidores e talvez second home buyers". Para a responsável, vamos assistir a uma "procura crescente por comunidades integradas, com uma forte preocupação com questões de mobilidade. E isso representa uma grande oportunidade para os promotores portugueses".
Questionada sobre se o segmento premium poderá voltar a depender do mercado nacional, Bianca Levy acredita que "não, pelo menos nos próximos três a cinco anos. O comprador médio português não tem, neste momento, capacidade para absorver produto premium, especialmente nos centros urbanos e também no Algarve". Assim, "evitamos fechar-nos ao comprador português, e temos um comprador estrangeiro mais evoluído, com um perfil muito mais sofisticado e seletivo". Para os promotores, "isso vai exigir muito mais profissionalismo da nossa parte: uma definição mais consciente do produto e uma narrativa de valor no longo prazo. Temos de ter essa preocupação clara".
"Portugal tornou-se um destino natural para os americanos"
O fluxo de cidadãos americanos para Portugal tem vindo a crescer de forma significativa, e para Anne Brightman, Founder do Brightman Group, esse movimento está longe de ser uma moda ou um fenómeno passageiro. "Vejo uma grande chegada de americanos. Não é uma moda passageira. Acho que é algo histórico, algo que nunca aconteceu nos EUA. Desde a pandemia, este movimento mais do que duplicou. E vamos continuar a ver esse número a crescer em Portugal. Os nossos clientes deixaram de ser maioritariamente brasileiros, franceses e ingleses, e passaram a ser sobretudo americanos".
Ao longo dos últimos anos, Portugal tem assistido a uma clara melhoria nas condições estruturais do país, algo que, na sua perspetiva, também tem sido determinante para consolidar Portugal como destino atrativo. "A infraestrutura em Portugal melhorou imenso desde que estou cá. Nota-se nos edifícios, nos acabamentos, nas amenities, entre outros aspetos. É um país pequeno, com deslocações fáceis e curtas. As escolas internacionais que estão a ser construídas são mais um exemplo dessa evolução", refere Anne Brightman, acrescentando que "todos estes fatores têm contribuído para que Portugal seja hoje um dos destinos mais procurados pelos americanos".
"A regulação é fundamental no imobiliário"
Pedro Marques Lopes, comentador e colunista da SIC Notícias e do Expresso, defende uma abordagem realista e regulada para o setor habitacional. "A regulação é fundamental no imobiliário. Sempre que não há regulação, o resultado tende a ser a anarquia, e isso, invariavelmente, corre mal. O que temos de fazer é ter cuidado com a forma como organizamos o nosso setor imobiliário, tal como organizamos tantas outras coisas nas nossas vidas".
Nesse contexto, um dos temas mais controversos tem sido a possibilidade de restringir o investimento estrangeiro no imobiliário. "A ideia de que se pode impedir ou limitar o investimento estrangeiro em imobiliário em Portugal é, à luz da legislação europeia, impraticável. Os tratados da União Europeia não permitem discriminar compradores com base na nacionalidade. Não podemos limitar a compra de imóveis a cidadãos estrangeiros da UE. É ilegal. Só existem exceções muito específicas, como zonas junto a bases militares ou áreas agrícolas protegidas".
Por outro lado, Pedro Marques Lopes considera que a excessiva concentração de alojamento local em algumas zonas compromete o equilíbrio das comunidades e até o valor do investimento. "Não podemos ter freguesias em Lisboa onde 80% ou 90% da oferta de alojamento é em regime de alojamento local. Isso é insustentável, até para os próprios investidores. Se se perde a identidade local de um determinado bairro, esse local deixa de ter interesse, tanto para quem quer viver lá como para quem investe. Pensemos nisto: o que leva um americano a querer vir viver aqui, se os seus 20 vizinhos são todos americanos? Isso já não é Portugal".