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Fim da taxa dos residentes não habituais “é um desastre completo e sem bases que o justifiquem”

Patrícia Barão, head of residential da JLL, deixa duras críticas à decisão do Executivo. “Medidas são populistas. Mais uma vez o Governo está a atirar areia para os olhos dos portugueses”, afirma.

10/10/2023

Fim da taxa dos residentes não habituais “é um desastre completo e sem bases que o justifiquem”
WIRE Portugal no Jornal Economico com Patrícia Barão

A decisão de colocar um ponto final na taxação especial para os residentes não habituais (RNH) a partir de 2024, revelada pelo primeiro-ministro António Costa, em entrevista à “CNN” na última semana, deixou investidores e promotores imobiliários preocupados e não passou ao lado da imprensa internacional, tendo inclusive feito capa no “Financial Times”. “A medida já cumpriu a sua função e não faz sentido mantê-la”, afirmou na altura António Costa.

Recorde-se que o regime confere a taxação a 20% em IRS durante dez anos a cidadãos estrangeiros para rendimentos de alto valor acrescentado, bem como 50% de desconto no IRS durante cinco anos a portugueses que tenham estado cinco anos emigrados. Para pensionistas estrangeiros, a taxa é de 10%.

Em entrevista ao Jornal Económico (JE), Patrícia Barão, head of residential da consultora imobiliária JLL, não poupa críticas ao Executivo, assumindo que não é coincidência ter sido tomada em vésperas da apresentação do Orçamento do Estado. “Medidas são populistas. Mais uma vez o Governo está a atirar areia para os olhos dos portugueses”, afirma.

O que representa esta medida para o mercado imobiliário?

Acho que esta medida vai ter um impacto superior até aos Golden Visa. Era uma medida que servia também como motor de atração dos portugueses para voltarem. No fundo, os portugueses que saíram de Portugal à procura de vidas melhores e que agora poderiam, com este regime ponderar voltar. Mais uma vez é uma mensagem fortíssima. O tema que diria mais gritante, aquele que é mais difícil de conseguir entender, é onde é que foram feitos os estudos das medidas para acabar com este programa?

E qual é essa base?

Não se viu nenhum estudo. E para além de não se ver nenhum estudo que tenha por base esta decisão, na minha opinião, se calhar também não fizeram um estudo sobre o impacto de acabar com esta medida. As pessoas que supostamente optam por este programa são aquelas que efetivamente acabam por pagar cargas fiscais superiores de grandes volumes. Com que medidas, com que bases e com que argumentação é que esta medida acaba? Eu só consegui ver uma que é o tema dos estrangeiros e de serem os estrangeiros os responsáveis pela crise na habitação, quando nós sabemos que o problema da crise da habitação é a falta de oferta.

Até porque os estrangeiros competem num mercado residencial que não tem nada a ver com o português normal.

O que é que um estrangeiro que está a comprar uma casa, um apartamento no Chiado ou numa zona onde os portugueses não querem viver, vai impactar um português que está à procura de uma casa na Alta de Lisboa ou em Odivelas? Mais uma vez, não estamos a criar soluções para vir responder ao problema da habitação. Se o Estado tivesse essa vontade, já tinha pegado no hospital Miguel Bombarda, ou numa série de instalações que estão abandonadas pelo Estado, e já tinha pegado nessas várias instalações e já tinha colocado, ou feito concursos, e já tinha arranjado solução para trazer habitação, porque este é que é o problema da habitação, é a oferta.

Mas o próprio Estado não sabe exatamente qual é o património imobiliário que tem.

Algum património nós sabemos que o Estado tem e o Estado sabe que tem, fora o resto que não sabe. Temos o hospital Miguel Bombarda abandonado, uma série de instalações do exército e de prisões, etc, que estão completamente abandonadas e estão em localizações onde existe uma grande procura por famílias portuguesas. Portanto, já tinha agarrado em terrenos que estão abandonados e já tinha criado forma de se fazer e trazer oferta nova para o mercado. Ou seja, isto sim eram no fundo coisas concretas que fossem impulsionadoras da oferta.

Já tinha criado uma solução fiscal que fosse apelativa para os promotores poderem usá-la e poderem, com esses benefícios fiscais, começar a fazer promoção nova e assim iria conseguir-se responder ao tema da habitação ou pelo menos melhorar. Estas medidas são populistas, são medidas onde mais uma vez o Governo está a atirar areia para os olhos dos portugueses que, por terem iliteracia de imobiliário, no fundo não conseguem perceber onde é que estão as razões. Então o Governo usa soundbytes típicos de quem está em campanha e a querer tomar decisões populistas.

E mais uma vez, tudo com uma venda nos olhos, que é assim que eu sinto que a maioria dos portugueses, que não está no mundo do imobiliário, porque à data de hoje nós temos todas as pessoas que trabalham e que estão ligadas ao sector imobiliário, estão revoltadas. A palavra é esta… revoltadas.

Porquê?

Porque essas pessoas sabem as verdadeiras razões da crise que temos na habitação. E não é de certeza, o programa dos RNH, mas como a grande maioria dos portugueses engole o que a comunicação vai dizendo em termos destes soundbytes de acabar com isto, que são os ricos que estão a usufruir, que são os estrangeiros ricos que vêm para cá comprar as casas. Ou seja, tudo isto que está a vir para o mercado de uma forma deturpada faz com que o comum dos mortais, no fundo, lá está, até ache que esta medida possa ser boa, quando na verdade esta medida não tem base absolutamente nenhuma e só vai ainda piorar as condições de vida dos portugueses.

Não será coincidência esta medida surgir em vésperas da apresentação do Orçamento do Estado.

Eu não acredito em coincidências. Ou seja, claramente é isto que está a acontecer. Isto tem que ser denunciado. Na minha opinião, é dever público denunciar estas iniciativas que só prejudicam a população portuguesa, ao contrário do que querem fazer entender.

É possível estimar o impacto financeiro desta medida no país?

Vão ser uns largos, largos milhões de euros. Não tenho a menor dúvida. Tenho falado com alguns promotores imobiliários que nestes dias já me confirmaram que não vão avançar com alguns projetos que estavam previstos. Ou seja, promotores que estavam com projetos previstos que iam aumentar a oferta e não o vão fazer mais.

O que podemos esperar daqui para a frente?

Esta medida é um desastre. É um desastre completo. É um desastre sem bases que justifiquem isto. A somar a todas as outras, é um desastre para a economia portuguesa e desenganem-se as pessoas que acham que é o tema do imobiliário, não é o tema do imobiliário. É muito mais do que isso. Estas pessoas vinham para cá, passavam 180 dias por ano, davam emprego, iam aos restaurantes, compravam os bens todos. O regime obriga estas pessoas a passarem 183 dias em Portugal. Ou seja, estas pessoas vivem metade do ano em Portugal. Isto é tudo mau. Esta medida, confesso que não estava à espera. Acreditava que realmente não íamos chegar aqui, a partir de agora é um desastre.

Entrevista original publicada no Jornal Económico