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Contributos do Município do Porto para a consulta pública do Plano Mais Habitação

A análise e o contributo do munícipio do Porto relativamente ao Plano do Governo no que respeita a habitação com a proposta lançada no programa Mais Habitação.

21/03/2023

Contributos do Município do Porto para a consulta pública do Plano Mais Habitação
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1. Preâmbulo

O Município do Porto, enquanto entidade que prossegue o bem comum, não quer deixar de participar na discussão pública do plano Mais Habitação, não só avaliando detalhadamente este pacote governamental como apresentando propostas concretas para a sua melhoria e operacionalização.

Apesar de as autarquias não terem sido previamente auscultadas e chamadas a pronunciarse sobre o plano, o Município do Porto entende ser seu dever contribuir para a definição e implementação de uma nova geração de políticas de habitação em Portugal. Dispomos, aliás, de experiência e conhecimento consolidados na área da habitação, que nos habilitam a ter uma participação construtiva num pacote de medidas que implica seriamente com a dignidade e qualidade de vida dos cidadãos deste país.

É estranho que, sendo fundamentais para o acesso à habitação e para a superação de carências habitacionais, os municípios tenham ficado à margem da elaboração do plano, sujeitando-se, para emitirem as suas opiniões, aos condicionalismos da consulta pública. Tanto mais que algumas das medidas anunciadas invadem a esfera de competências das autarquias e, no caso do Município do Porto, há até medidas redundantes ou que conflituam com programas locais na área da habitação, como veremos mais à frente.

Parece-nos igualmente insólito que, aos dias de hoje, os municípios tenham conhecimento do plano através tão-só de um genérico powerpoint e de declarações avulsas de responsáveis políticos à comunicação social. Um pacote desta dimensão, impacto e sensibilidade devia, antes de mais, estar sustentado em estudos rigorosos e dados fidedignos sobre a habitação em Portugal (nada nos indica que tenha sido o caso). Por outro lado, no momento da sua consulta pública, impunha-se que a informação disponibilizada sobre o plano fosse já detalhada, sólida e estruturada, o que manifestamente não acontece. Ainda assim, o Município do Porto tomou a iniciativa de ouvir os Conselhos Municipais de Economia e de Turismo sobre o plano Mais Habitação e, no âmbito da auscultação pública promovida pelo Governo, elaborou o presente documento, onde expõe as suas considerações e sugestões relativamente às principais medidas do pacote.

2. Considerações gerais

2.1 Escalada do custo da habitação

Da experiência e conhecimento decorrentes da gestão autárquica de uma cidade em profunda transformação urbana, como é o Porto, concluímos que a subida dos preços da habitação em Portugal, em particular nos grandes centros urbanos, resulta deste conjunto de fatores concomitantes:

e O forte aumento da procura imobiliária, motivada pelas novas atividades e City users que as cidades estão a atrair. Atividades relacionadas não só com o turismo, mas também com setores emergentes como a economia digital, as indústrias culturais e criativas ou os ecossistemas de inovação. Trata-se de uma procura imobiliária que é gerada tanto por cidadãos nacionais como por cidadãos estrangeiros, estes últimos com bom poder de compra.

  • O elevado custo da construção no nosso país, decorrente de uma conjugação de fatores:
  • a escassez de terrenos disponíveis e a incapacidade dos municípios de penalizar fiscalmente, por via do IMI, os terrenos expectantes e assim promover a sua transação no mercado a custos mais moderados;

> o encarecimento do financiamento, da mão-de-obra e das matérias-primas (custos de contexto);

> o sobrepeso da fiscalidade;

> o tempo necessário para a concretização dos projetos;

> as regras draconianas que regulam a habitação em Portugal, designadamente as que são estabelecidas no quadro do Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU), do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE) e das normas técnicas de acessibilidade, por exemplo.

  • A falta de oferta após a crise financeira de 2007-2008 .com origem no crédito hipotecário de alto risco), que provocou em Portugal, nos anos subsequentes, uma forte redução da construção de habitação quer pelo setor privado, quer pelo setor público. A carência de habitação deu-se nos dois segmentos: privado e público, este último em boa medida devido à necessidade de consolidação orçamental.

E, por fim, e em resultado de tudo isto, os fenómenos de especulação imobiliária que procedem da flagrante disparidade entre a oferta e a procura patente no mercado.

2.2 Oferta orientada para segmentos elevados

Depois de décadas de esvaziamento das cidades em favor das periferias, eis que os grandes centros urbanos ganham de novo atratividade, graças a um melhor uso do espaço público, à renovação de equipamentos e infraestruturas, ao incremento da qualidade ambiental, à promoção da mobilidade sustentável, à diversificação da oferta cultural e de lazer... Em suma, houve uma subida dos índices que medem a qualidade de vida urbana e com isso cresceu o poder de atração das grandes cidades.

Cidades como o Porto passaram a atrair, conforme já foi referido, novas atividades económicas ligadas a setores de valor acrescentado. Turismo, empresas tecnológicas, centros de inovação e competências, start-ups digitais, indústrias culturais e criativas tornaram-se fundamentais ao desenvolvimento das cidades, figurando entre as atividades que mais criam valor, conhecimento, emprego, massa crítica e outras externalidades positivas.

A dinâmica económica e social ligada a estas atividades emergentes trouxe, naturalmente, novos moradores às cidades, inclusive imigrantes qualificados e com bom poder de compra. Ora, esta pressão humana veio revigorar a procura de habitação e aquecer o mercado imobiliário, que passou a estar direcionado principalmente para os segmentos mais elevados.

Aqui chegados, a solução para a escassez e custo da habitação não pode passar por moderar a procura. Isso seria hipotecar a capacidade de atração das cidades e o crescimento económico promovido pelas atividades de elevado valor acrescentado, sem que o problema da falta de habitação a preços acessíveis fosse resolvido ou sequer mitigado. Era, perdoe-se a expressão, "deitar fora o menino com a água do banho".

Dito isto, importa garantir o acesso de todas as classes sociais a habitação digna, de modo a evitar a estratificação socio espacial das cidades e o agravamento das assimetrias entre o centro e a periferia. Ora, para promover esse acesso, há que aumentar a oferta de casas em todos os segmentos, e não apenas nos segmentos mais económicos. E que, como se verificou noutros países, reforçar o stock apenas nos segmentos mais baixos alimenta a procura de fogos de menores custos por pessoas de maior poder de compra, acabando por inflacionar os preços da habitação económica.

2.3 Défice de habitação pública

Parece evidente que o Estado, só por si, não tem capacidade para aumentar a oferta habitacional. Convém lembrar que, em Portugal, só 2% da habitação é pública, havendo países europeus, e mais liberais do que o nosso, em que o parque habitacional do Estado corresponde a mais de 30% do total de fogos. Não é por isso expectável que, com todos os constrangimentos financeiros e falhas administrativas que lhe são conhecidas, o Estado português sozinho seja hoje capaz de aumentar o stock de habitação pública e muito menos de gerir coercivamente património privado.

É evidente que, para aumentar a oferta habitacional, o Estado precisa de colaborar de forma estreita e sinérgica quer com os municípios, quer com os investidores privados. Em relação aos municípios, interessa ter presente que há flagrantes assimetrias de escala e recursos entre concelhos e que o peso da habitação pública varia de território para território. No caso do Porto, a habitação pública representa cerca de 12% do parque habitacional da cidade, percentagem que coloca o município dentro dos valores médios da União Europeia.

Tudo isto para dizer que não pode haver uma solução estandardizada, uniforme, rígida para aumentar a oferta habitacional nos municípios. Há que ter em conta as particularidades de cada município e o investimento que realizaram em habitação pública ou em programas de promoção do acesso à habitação e de superação de carências

habitacionais. Nem todos os municípios fizeram da habitação uma prioridade política, como acontece no Porto.

Interessa sublinhar que a oferta de habitação pública não deve ser exclusiva ou maioritariamente social. O Estado tem de diversificar os investimentos a este nível, apostando também, e de forma intensiva, em habitação de arrendamento acessível — uma modalidade que vai ao encontro das necessidades das famílias com rendimentos intermédios, que são hoje quem mais tem dificuldade para arrendar ou adquirir casas compatíveis com o seu poder de compra. Há, de resto, excelentes condições para alavancar o investimento em habitação de arrendamento acessível, através do PRR.

De igual forma, é indispensável generalizar o direito de preferência. Trata-se de um instrumento legal que o Estado e os municípios devem utilizar com mais frequência para garantir a transparência do mercado, para aumentar o stock de casas ou para acudir a inquilinos em situação de fragilidade.

Se é verdade que o mercado não resolve só por si o problema da habitação, também nos parece óbvio que sem o contributo dos privados dificilmente o panorama habitacional muda para melhor no nosso país. Por isso, o Estado não deve ter pruridos ideológicos em alinhar estratégias e investimentos com a iniciativa privada, de forma a colmatar a insuficiência de recursos públicos para enfrentar o problema da habitação. Mas, para que isso seja possível, é necessário, desde logo, que o Estado construa uma relação de confiança com os privados, tanto com os pequenos como com os grandes investidores. Esta relação de confiança consolida-se ao longo de anos e precisa de estabilidade e continuidade quer nas políticas fiscais, quer ao nível da legislação — nomeadamente no que respeita às normas do regime de arrendamento urbano (NRAU), que têm sido alvo de constantes modificações. A confiança é também reforçada por parcerias público-privadas, no âmbito das quais se podem encontrar formas virtuosas e inovadoras de agregar recursos, congregar vontades e eliminar barreiras, designadamente no acesso aos solos.

Contudo, a confiança pode facilmente esboroar-se com discursos erráticos e tremendistas, com instabilidade legislativa e fiscal e com preconceitos ideológicos em relação à iniciativa privada, em geral, e aos investidores imobiliários, em particular. Fazer de uma rapsódia de medidas, por vezes incongruentes e porventura inconstitucionais, uma estratégia nacional para a habitação pode, de facto, criar perturbação no mercado imobiliário e retrair o investimento necessário para aumentar o stock de casas para compra e arrendamento.

2.4 Estratégia carrot-and-stick

É pelo aumento de oferta que se consegue vencer a especulação imobiliária, a qual deve ser combatida, igualmente, através de instrumentos fiscais que reduzam o número de habitações devolutas. Sabemos bem que existem imóveis sem uso habitacional porque, estando o mercado em alta, os seus proprietários (em particular os fundos imobiliários) esperam o melhor momento para os vender ou para os arrendar. Ou seja, estão a deixar valorizar os seus imóveis para posterior venda ou arrendamento com lucros mais elevados, especulando assim com os preços.

Perante isto, e independentemente da prerrogativa que o Estado tem, e bem, para expropriar ou requisitar imóveis por motivos de interesse público, a melhor forma de reduzir os fogos vagos com propósitos especulativos ou outros é o agravamento fiscal. Atendendo à função social da propriedade privada, princípio com o qual concordamos, o Estado deve procurar colocar casas no mercado habitacional não pela usurpação do uso de propriedade privada, como é proposto no plano Mais Habitação, mas sim com medidas de natureza fiscal, aumentando o IMI (imposto sobre a propriedade) ou o IMT (imposto sobre a venda), por exemplo.

Com políticas fiscais, o Estado e os municípios, neste caso através do IMI, podem incentivar o bom uso dos imóveis (designadamente o arrendamento de longa duração) e, ao mesmo tempo, penalizar os proprietários com fogos vagos para fins especulativos ou outros. Defendemos, pois, uma estratégia carrot-and-stick, que recorra, com o apoio da Autoridade Tributária, a instrumentos fiscais para promover as boas práticas e desincentivar as más. Ou seja, uma estratégia que beneficie quem coloca as suas habitações no mercado (para venda ou arrendamento) e onere quem não o faz. Mutatis mutandis, a política fiscal também deve servir para inserir no mercado terrenos expectantes, muitos deles avaliados fiscalmente por critérios antigos e que se encontram devolutos com fins especulativos. Pensamos ser pertinente conceder aos municípios a prerrogativa de aplicar IMI também sobre terrenos e penalizar, através deste imposto, os baldios das cidades, onde se poderia construir habitação nova, principalmente de custos controlados. O IMI (e também a sua sobretaxa) é uma receita exclusiva dos municípios e pode, como vimos, ter um papel determinante nas políticas municipais de habitação. Este imposto não deve ser instrumentalizado pelo Estado, servindo para compensar as suas despesas em matéria de habitação, como se deduz do plano apresentado. Determinar a taxa máxima de IMI, bem como as bonificações, isenções, agravamentos e sobretaxas deste imposto, tem de ser uma competência exclusiva dos municípios. Da mesma forma, o Estado deve abster-se de determinar as condições de acesso a habitação social e as rendas técnicas aí praticadas, exceto no que diz respeito ao parque habitacional que lhe pertence, através do Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU). Ainda ao nível da fiscalidade, parece-nos também importante garantir que, em sede de IRS, as rendas não sejam discriminadas negativamente relativamente a outras aplicações de aforro. E é igualmente indispensável que a legislação não beneficie os fundos imobiliários em prejuízo dos pequenos investidores. O Estado tem de assumir plenamente a sua função social na habitação, não transferindo esse ónus para os investidores, o que corresponde a um custo acrescido para quem investe. Por fim, e não menos importante, a fiscalidade é fundamental para reduzir os custos de contexto da construção. Como já foi aqui sublinhado, a habitação é um carrossel de impostos, taxas e taxinhas: IMT, IMI, imposto de selo, mais-valias da venda, impostos sobre as rendas recebidas.. Enfim, há um conjunto de encargos fiscais que encarecem grandemente quer a construção, quer a compra e arrendamento de habitação. Urge, portanto, simplificar e aliviar a fiscalidade associada à habitação, de modo a incentivar a construção e a facilitar o arrendamento e a aquisição de casa própria. A simplificação e desoneração devem estender-se aos já aqui referidos regulamentos da habitação, RGEU e RJUE, e a outras normas técnicas aplicáveis à construção. Estes normativos assumem, em Portugal, um nível de exigência bem maior do que em outros países europeus. Os requisitos técnicos relativos às casas de banho, ao número e áreas dos compartimentos ou às características das paredes, pavimentos e coberturas das edificações, por exemplo, oneram e burocratizam fortemente a construção no nosso país. Com a agravante de estes requisitos serem obrigatórios para todas as habitações de um empreendimento, ao contrário do que acontece noutros países europeus, em que essa exigência se aplica apenas a uma percentagem dos fogos de um edifício.

2.5 Situação habitacional no Porto

No Porto, existe uma longa tradição de políticas públicas de habitação. Desde a passagem do século XIX, com os Bairros d'O Comércio do Porto, até à atualidade, o Município desenvolveu esforços significativos para melhorar o acesso à habitação e as condições de habitabilidade.

Como já foi indicado, a habitação pública no Porto representa cerca de 12% do seu parque habitacional, um valor em linha com a generalidade dos países europeus. Ainda assim, e à semelhança do que acontece noutras cidades não só portuguesas como europeias, a população do Porto debate-se com dificuldades no acesso à habitação e algumas franjas populacionais sofrem com a precariedade e carência habitacional.

Foram identificados 1.788 prédios com indícios de se encontrarem em situação devoluta, o que corresponde a 2.273 proprietários. Destes, já foram notificados 1.694 proprietários (74,5%). Na sequência de uma audiência prévia, vão ser declarados devolutos 687 prédios (38,4% dos prédios com indícios de devoluto), correspondentes a 857 proprietários (50,6% dos que foram validamente notificados) e que verão o seu IMI agravado. Por conseguinte, parece claro que o impacto em termos de oferta deste edificado devoluto não é expressivo no quadro do problema da habitação no Porto. Neste contexto, o Município do Porto tem dado respostas diversificadas e flexíveis aos problemas habitacionais. Estamos a conseguir alargar o espectro da população abrangida pelas políticas municipais de habitação, adequando os nossos modelos de intervenção à velha tradição dos países europeus mais desenvolvidos, como a Dinamarca, Suécia, Países Baixos ou Áustria. O Município do Porto lançou programas de renda acessível e apoio às rendas, atribuiu fogos em regime de renda apoiada, recuperou "ilhas" da cidade, melhorou as condições de habitabilidade dos bairros municipais e tem em curso projetos para residências estudantis.

O parque municipal de habitação é composto por 50 complexos habitacionais, nos quais residem cerca de 30 mil pessoas. Em 2021, o Município do Porto, através da empresa municipal Domus Social, entregou em média mais de uma casa por dia a famílias à espera de habitação. No total, entre transferências e novas atribuições, 401 agregados familiares viram, em 2021, as suas condições de vida melhoradas com a entrega de um novo lugar para morar.

Salientamos, a propósito, o programa Porto com Sentido, que é operacionalizado pela empresa municipal Porto Vivo, SRU. Trata-se de um programa para aumentar a oferta de habitação no mercado de arrendamento, enquanto promove a atração e fixação de habitantes na cidade, atribuindo-lhes casas com rendas a preços acessíveis. Desde o lançamento do primeiro concurso, no final de 2020, o Porto com Sentido já contemplou 310 beneficiários nas cerca de 170 habitações entregues. Atualmente, um novo concurso atribuirá mais 15 fogos, elevando, assim, o número total para 185 habitações disponibilizadas no âmbito do programa.

Em novembro de 2021, o programa adotou o conceito build to rent (construir para arrendar), em que o Município atua como intermediário entre os proprietários dos imóveis e os inquilinos finais. Para aumentar o stock de habitação da cidade, o Município negoceia com promotores imobiliários contratos de promessa de arrendamento. As habitações podem encontrar-se ainda em projeto ou em fase de construção ou de reabilitação.

Na modalidade build to rent existem 55 fogos, em Campanhã, com aprovação prévia e 40 com propostas em curso nas freguesias de Paranhos e Cedofeita.

De referir ainda o programa Porto Solidário, que apoia famílias carenciadas e em situação de emergência habitacional, concedendo-lhes um valor mensal para ajudar ao pagamento da renda ou da prestação bancária. De 2014 a 2022, o Porto Solidário atribuiu um pouco mais de 13 milhões de euros, beneficiando assim cerca de 4.500 famílias.

No mercado de renda acessível, o Município tem em curso quatro projetos para a construção de novas habitações: em Lordelo do Ouro com cerca de 300 fogos, em Faria de Guimarães com 80 e em Monte Pedral e Monte da Bela com 330 e 232, respetivamente, num total aproximado de mil novas casas.

Ainda de iniciativa municipal, encontram-se em curso outros projetos enquadrados no programa das ilhas do Porto para renda condicionada, com operações na Ilha da Lomba para 47 fogos, Rua das Antas com quatro fogos e São João Novo com três fogos.

Paralelamente, o Município do Porto tem promovido a densificação estratégica de zonas específicas da cidade. Pretendemos, deste modo, acelerar a recuperação demográfica da cidade e mitigar as carências habitacionais da sua população, neste caso tendo em vista sobretudo a classe média.

Refira-se que a maior fatia do orçamento municipal para 2023 é destinada à habitação e urbanismo — cerca de 69 milhões de euros, o equivalente a 17,9% do orçamento total para este ano.

3. Considerações e propostas sobre o plano Mais Habitação

3.1 Medidas de apoio aos inquilinos

O Município do Porto concorda com a intermediação do Estado no processo de arrendamento e com os apoios às rendas e aos créditos, nos termos estabelecidos no plano Mais Habitação. Duvida, contudo, que a máquina estatal, em particular o IHRU, tenha os recursos necessários para implementar tais medidas. Neste sentido, propõe que, a exemplo do Município do Porto, que já aplica um programa semelhante (o Porto com Sentido), as autarquias sejam chamadas a exercer competências operacionais na intermediação entre os proprietários dos imóveis e os inquilinos finais. Admite, inclusive, que essas competências possam ser da responsabilidade das freguesias, que estão mais próximas da população local. Embora concorde com um sistema de apoio ao pagamento dos encargos habitacionais, sejam rendas ou prestações bancárias, o Município do Porto entende que estes benefícios devem ser transitórios, vigorando apenas enquanto os agregados familiares não garantam a autonomia financeira necessária. Sugere-se que, para além de serem aplicados a contratos já existentes, estes apoios e programas se articulem com o programa de arrendamento e subarrendamento de propriedades privadas por parte entidades públicas, Deste modo, aumentam-se as possibilidades de candidatura a fogos com renda acessível por agregados familiares cuja taxa de esforço máxima os impediria de ser elegíveis.

Conforme já aqui foi explanado, o Município do Porto tem em curso dois programas de incentivo e apoio ao arrendamento: o Porto com Sentido e o Porto Solidário. Convém, pois, que o Estado dê garantias de que estes programas (e outros similares noutros municípios) não vão ser canibalizados por medidas idênticas do plano Mais Habitação. Deve ainda ser esclarecido se os apoios municipais e os apoios estatais ao arrendamento vão, ou não, ser cumulativos. Ou seja, se os inquilinos podem beneficiar, em simultâneo, de programas de apoio ao arrendamento municipais e estatais.

3.2 Incentivos à construção e reabilitação a custos acessíveis

O Estado e as autarquias devem desenvolver iniciativas de apoio à construção no modelo build to rent, garantindo, por um período determinado, a inclusão dos fogos novos ou reabilitados nos programas públicos de arrendamento e subarrendamento.

A redução do risco comercial do investidor que daí advirá, associada ao conjunto de incentivos fiscais aplicados ao arrendamento acessível, tem a potencialidade de transformar a construção build to rent num negócio mutuamente proveitoso. Para o Estado, na medida em que permite aumentar o parque habitacional com apoio público sem necessidade de investimento na sua construção. Para a iniciativa privada, uma vez que garante uma estabilidade de rendimentos e um baixo nível de risco, transformando o arrendamento acessível num negócio rentável.

Por outro lado, o Estado deve garantir as condições necessárias para a revitalização do setor cooperativo, seja pela disponibilização dos terrenos necessários, seja pela provisão de meios de financiamento com condições mais favoráveis às aplicáveis no mercado livre. Quanto ao uso dos solos, o Estado necessita de criar as ferramentas necessárias para que as autarquias possam penalizar, por via do IMI, terrenos expectantes cuja ausência de urbanização tem subjacentes processos especulativos que favorecem a inércia, em particular nos tecidos urbanos consolidados.

A construção de habitação é uma matéria que requer investimentos avultados e grande disponibilidade de capital. Por isso, reitera-se que o Estado não tem capacidade, por si só, de levar a cabo todo o investimento necessário para a resolução da crise habitacional. Acresce que a maior parte dos investidores nacionais está dependente das possibilidades de financiamento bancário, para a realização dos seus projetos de construção de habitação. Torna-se, portanto, necessária a captação de investimento, designadamente estrangeiro, que seja canalizado para a alavancagem das prioridades definidas pelo Estado.

Neste sentido, o Município do Porto considera pertinente rever o funcionamento dos vistos gold, que, no caso da nossa cidade, não foram determinantes para o sobreaquecimento do mercado habitacional, como por vez se faz crer. Pensamos que, em vez da sua pura e simples eliminação, seria mais útil orientar a aprovação dos vistos gold para investimentos que promovessem um número mínimo de alojamentos destinados a arrendamento acessível.

Quanto aos custos da construção, que constituem um forte entrave ao crescimento da oferta imobiliária e ao acesso a habitação por muitas famílias portuguesas, é crucial aliviar o peso que a fiscalidade representa no preço final das casas, em particular no que respeita ao IVA aplicável ao setor. Como é sabido, em Portugal aplica-se a inversão do sujeito passivo de IVA na aquisição de serviços de construção civil. Isto significa que cabe ao adquirente destes serviços proceder à liquidação do IVA, circunstância que eleva o custo da habitação.

E, por isso, urgente uma revisão total do sistema fiscal aplicável à construção de habitação acessível e de custos controlados. Uma revisão que permita a redução significativa do preço da construção, garantindo que essa redução se reflita no custo final da habitação e não nas margens de lucro do promotor.

No que respeita ao licenciamento urbanístico, o Município do Porto saúda naturalmente todas as medidas de simplificação administrativa que possam diminuir os tempos de espera para a conclusão dos processos. Não deixamos, porém, de ressalvar que uma das medidas anunciadas em concreto a assunção do termo de responsabilidade dos técnicos projetistas como garante único da legalidade da construção, sem prejuízo da verificação da conformidade urbanística do proposto por parte das Câmaras Municipais já se encontra plasmada na lei, designadamente no art. 0 20. 0 do RJUE.

O espírito das alterações ao licenciamento anunciadas pelo Governo já está, portanto, a ser cumprido pelo Município do Porto. Importa, contudo, ter presente que, sejam quais forem as medidas de simplificação do processo de licenciamento, não se pode descurar a necessária qualidade e a segurança da construção, bem como a defesa da qualificação e ordenamento do território matéria que compete, em larga medida, aos municípios.

Ao nível do corpo legislativo, pensamos que haverá vantagem em criar um código da habitação. Ganhava-se em clareza, coerência, rigor e eficiência, se todas as leis que regulam a habitação estivessem reunidas num só código. Um documento normativo desta natureza viria complementar a plataforma SILUC, que é já um excelente instrumento de orientação para os agentes envolvidos no setor.

O Município do Porto detém, como já foi referido, um dos maiores parques públicos de habitação do país em termos absolutos e o maior em termos relativos. Por isso, a autarquia decidiu, no âmbito da sua estratégia local de habitação e dos contratos de financiamento do 1 . 0 Direito/PRR, consignar grande parte do financiamento disponível à reabilitação de alguns dos milhares de fogos de que é proprietária. Fogos, esses, que estão, na sua maioria, integrados em imoveis das décadas de 40, 50 e 60 do século passado, e que, entretanto, já tiveram a sua envolvente exterior beneficiada por obras financiadas exclusivamente pelo Município, nos últimos 15 anos.

Neste contexto, devemos alertar o Governo para o facto de a eficácia da execução do programa relativo à habitação inscrito no PRR estar a ser muito prejudicada por dois fatores: a obrigatoriedade de registo na conservatória predial dos prédios intervencionados e a necessidade de melhoria das condições energéticas dos fogos financiados.

Estes dois requisitos impossibilitam o sucesso de muitas candidaturas do Município do Porto ao 10 Direito. No primeiro caso, a maioria dos fogos municipais nunca esteve registada na conservatória predial, por esse procedimento não ser obrigatório à data da sua construção. No segundo caso, tratando-se de reabilitações de fogos integrados em edifícios já intervencionados previamente, torna-se impossível a melhoria das condições energéticas sem investimentos em meios de AVAC (aquecimento, ventilação e ar condicionado) desproporcionados para o fim em causa.

Convinha, por isso, que o Governo legislasse no sentido da remoção destes obstáculos à boa execução dos fundos europeus, sob pena de o país não conseguir maximizar as ajudas comunitárias ao seu dispor.

3.3 Restrições ao aumento das rendas

O limite ao aumento de rendas em novos contratos, previsto no plano Mais Habitação, pode ter efeitos perversos e contrários aos pretendidos, Como a análise de casos internacionais nos indica, sendo o mais conhecido o caso comparado Barcelona—Madrid, as restrições à atualização das rendas promovem a informalidade e a clandestinidade no arrendamento, além de desincentivarem os senhorios a colocar as suas casas no mercado. Em resultado, o valor das rendas acaba por subir em alguns segmentos.

As restrições agora propostas podem ainda ter o mesmo efeito do congelamento das rendas, uma velha tradição portuguesa que levou à profunda degradação do parque habitacional, à paralisia do mercado de arrendamento privado, à perda de confiança de proprietários e investidores, à diminuição da oferta de imóveis e consequente aumento dos preços e ao endividamento das famílias para compra de habitação própria.

De resto, o Governo já anunciou que as rendas antigas (contratos anteriores a 1990) ficam congeladas de forma definitiva, continuando o Estado a transferir a função social da habitação para os proprietários dos imóveis, sem a devida compensação.

Vejamos, a título de exemplo, os resultados de um recente estudo da ESADE Business School sobre a legislação para controlar as rendas na Catalunha, que estabelece limites de preços para a celebração e renovação de contratos de arrendamento. O estudo concluiu que os preços das rendas baixaram globalmente cerca de 5%, mas esse efeito concentrou se nas casas mais caras. Registou-se, até, um "aumento significativo" das rendas das casas mais baratas. Em concreto:

  • Em casas com preços muito baixos das zonas abrangidas pela referida legislação, as rendas subiram 12,7% contra um aumento de 6,9% fora do perímetro da lei; Em casas com preços baixos, o acréscimo foi de 9,4% face aos 6,4% nas zonas sem impacto da lei;
  • Em casas com preços médios baixos, a subida foi quase igual nas duas situações (6,6% e 6,7%, respetivamente);
  • Em casas com preços médios-altos, os aumentos foram de 3,8% nas zonas cobertas pela lei e 8,1% nas restantes;
  • Em casas com preços altos, as rendas cresceram 0,6% no primeiro caso e 7,4% no segundo;
  • Em casas com rendas muito altas, os preços caíram 2,9% nas zonas abrangidas pela lei e aumentaram 6,5% nas restantes.

Refira-se ainda que se verificou "um alto grau de incumprimento" da lei, o que deu origem a "mercados negros paralelos".

A nível internacional, os peritos coincidem no aumento da oferta de casas para arrendar, principalmente habitação pública mas também privada, como solução para o problema. Concluem, aliás, que o escalar das rendas se deve sobretudo a um "problema de escassez de oferta".

E recomendado, por isso, que se aumente o stock de casas disponíveis para arrendamento a partir de parcerias público-privadas, em que, por exemplo, se fixe uma percentagem mínima de casas que, num empreendimento, têm obrigatoriamente de ser destinadas ao arrendamento. Importa ainda criar incentivos fiscais para os senhorios e melhorar a segurança jurídica dos proprietários, designadamente ao nível das ações de despejo e de outros litígios com inquilinos.

3.4 Alojamento Local

O Alojamento Local foi um dos catalisadores da reabilitação urbana das nossas cidades e é uma atividade económica que comprovadamente gera valor, emprego e bem-estar social. Aliás, o boom do Alojamento Local em Portugal deu-se, justamente, na ressaca da crise da dívida soberana, tendo servido para mitigar o desemprego e a emigração, particularmente entre os mais jovens.

Por conseguinte, a intenção de proibir a emissão de novas licenças de Alojamento Local nos grandes centros urbanos parece-nos drástica e intempestiva. Põe em causa um importante fator de dinamização quer da reabilitação urbana, quer do setor do turismo, quer ainda das economias locais, com reflexos, como vimos, na criação de riqueza e emprego, E preciso não esquecer que, em torno do Alojamento Local, gravitam muitos pequenos negócios e serviços, como os de limpeza, e que esta atividade alimenta o comércio tradicional.

Acresce que a contribuição extraordinária que se pretende impor ao Alojamento Local e, sobretudo, a reavaliação das licenças em 2030 vão certamente criar grande perturbação nesta atividade económica, comprometendo investimentos atuais e futuros.

Todas estas medidas apresentam, além do mais, dois problemas de fundo: um é considerar que o impacto do Alojamento Local sobre a habitação é igual em todos os municípios do Litoral; o outro é confiscar competências nesta área que são inequivocamente das autarquias. Desde a lei n. 0 62/2018 que cabe aos municípios gerir o Alojamento Local, sendo responsáveis pela emissão e revogação de licenças, pelas vistorias e outras atividades de fiscalização, pela declaração da caducidade das autorizações, etc.

Ademais, compete aos municípios a gestão das áreas de contenção do Alojamento Local. Recordamos que tanto no Porto como em Lisboa foram criadas zonas de contenção e de suspensão temporária de Alojamento Local, provando que é possível regular, como se pretende, esta atividade económica sem inibir as suas perspectivas de investimento e minar o seu modelo de negócio.

O Município do Porto foi o único que participou numa discussão pública na Comissão de Economia, Obras Públicas, Planeamento e Habitação da Assembleia da República e que, junto da ex-Secretária de Estado do Turismo, Rita Marques, propôs alterações profundas ao Regime Jurídico do Alojamento Local. A saber:

  • Que se definisse um rácio de pressão para o Alojamento Local;
  • Que houvesse na lei uma métrica que estipulasse uma ligação positiva entre o Alojamento Local e a habitação de renda acessível, algo que transpusemos para o regulamento municipal do Município do Porto que se transferisse a gestão dos registos do Alojamento Local para os municípios, ou seja, uma efetiva descentralização de competências.

Propusemos também que, na lei, o registo do Alojamento Local fosse apenas dado a entidades com um CAE — Código de Atividade Económica dedicado exclusivamente ao alojamento turístico e que todos os estabelecimentos de Alojamento Local tivessem de fazer prova de atividade, por forma a combater as designadas "licenças fantasma".

Além disso, defendemos que se devia redefinir o conceito de Alojamento Local, conferindo-lhe uma equiparação a serviços de turismo, uma vez que a lei é injusta para os pequenos proprietários. Por exemplo, nas zonas de contenção, a nível nacional, o Governo penaliza fiscalmente as pessoas que exploram estabelecimentos de Alojamento Local em moradias e apartamentos. Já os hostels, que estão na lei identificados como Alojamento Local, não sofrem o mesmo tipo de agravamento fiscal. Ora, esta discriminação é um claro ataque à economia familiar.

Por último, propusemos que os municípios tivessem o poder de criar zonas exclusivas para turismo. Outro aspeto relevante é a capacidade de criar oferta de alojamento turístico sem pressionar o mercado habitacional. E neste sentido, no dia 22 de dezembro de 2022, enviámos uma missiva à Senhora Ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Prof. Elvira Fortunato, para tentar acomodar o problema das residências universitárias no que concerne à oferta de quartos em época não escolar.

As residências universitárias são um ótimo meio para reduzir a pressão do Alojamento Local sobre a habitação, porque nos meses de verão os seus quartos poderiam reforçar a oferta turística. Esta clarificação da lei, permitindo que as residências de estudantes fossem classificadas como Alojamento Local, ajudaria por si só as cidades a aumentar a oferta turística, sem colocar pressão sobre a oferta de habitação.

O Município do Porto tem investido significativos recursos humanos e financeiros na gestão do Alojamento Local, sendo amplamente reconhecidas, a nível internacional, as boas práticas da autarquia na regulação desta atividade económica. Somos o primeiro — e único — município português com um mediador do Alojamento Local, cujo objetivo é conciliar os interesses dos residentes e dos turistas que ficam nestes estabelecimentos. Entretanto, está a ser ultimado o regulamento municipal para o crescimento sustentável do Alojamento Local no Porto.

A pergunta que se impõe agora é esta: todo o investimento que o Município do Porto, entre outras autarquias, fez no estudo, gestão, supervisão e regulação do Alojamento Local vai ser perdido com as novas regras para a atividade previstas no plano Mais

Habitação? Se sim, quem vai ressarcir o Município pelos custos já realizados?

4. Conclusões

O Mais Habitação prevê algumas medidas que consideramos pertinentes, justas e implementáveis. Mas, no geral, o plano é confuso, incongruente, em larga medida inexequível e com potenciais efeitos perversos. O pacote governamental traz, por isso, uma indesejável instabilidade e entropia a um setor imprescindível a uma vida digna e, consequentemente, falha na abordagem quer ao problema do acesso à habitação, quer ao problema das carências habitacionais.

São de saudar os apoios às rendas e ao crédito para famílias em dificuldades, bem como a simplificação dos processos de licenciamento, o reforço dos incentivos fiscais para o arrendamento acessível e a cedência pelo Estado de terrenos ou edifícios para habitação. Mas, convenhamos, o Estado está a ser demasiado voluntarista ao predispor-se a ser senhorio, fiador, credor, intermediário, cobrador, construtor. Conhecidas que são as ineficiências administrativas e as carências financeiras do Estado, não é de crer que este tenha capacidade de tocar tantos instrumentos ao mesmo tempo,

Neste sentido, boa parte deste plano é irrealizável e, portanto, ficará muito aquém dos resultados pretendidos. Contudo, maior do que o risco de o pacote ser pouco consequente é o de as suas medidas mais estatizantes e centralistas terem efeitos gravosos para o problema da habitação em Portugal, sabotando as generosas e voluntaristas intenções do Governo. A proibição de novas licenças para o Alojamento Local, o arrendamento coercivo ou o limite à atualização das rendas são medidas que, conforme os especialistas já alertaram, geram mais dúvidas do que certezas, mais instabilidade do que clarividência, mais injustiça do que equidade, mais atraso do que desenvolvimento.

Por isso, o Município do Porto considera que o plano deve ser afinado e expurgado de medidas irrealistas ou manifestamente nocivas, em conformidade com as propostas que expomos neste documento. Propostas, essas, que preconizam essencialmente a utilização cirúrgica de incentivos e penalizações fiscais, a redução dos custos de contexto da construção, a simplificação de procedimentos, a descentralização de competências e o respeito pela esfera de intervenção dos municípios, bem como pelas suas fontes de financiamento.

Porto, 3 de março de 2023

Gabinete da Presidência Municipal do Porto