Mercado
Estabilidade fiscal e legislativa são fundamentais para atrair mais investimento
No evento "Do caos às soluções: Pensar a habitação em Portugal", organizado pela WIRE - Women in Real Estate Portugal, em parceria com a Abreu Advogados, especialistas pediram estabilidade legislativa e fiscal, sublinhando que a instabilidade pode desencorajar investimentos.
04/10/2024
Decorreu na passada quinta-feira, 3 de outubro, o evento "Do caos às soluções: Pensar a habitação em Portugal", organizado pela WIRE - Women in Real Estate Portugal, em parceria com a Abreu Advogados. Este encontro reuniu especialistas e intervenientes do setor imobiliário para discutir o atual panorama do mercado habitacional, num contexto de incerteza económica.
A keynote speaker, Florence Ricou, CEO da Insula Capital, destacou a relevância do investimento estrangeiro, afirmando que «nos últimos dez anos, este tipo de investimento quase triplicou» e que «os investidores estrangeiros continuam a ver Portugal como um mercado atrativo, e isso não mudará». Contudo, sublinhou a urgência de modernizar o portfólio imobiliário, uma vez que «grande parte do nosso portfólio está desatualizado em termos de eficiência. Precisamos de acelerar os nossos planos de eficiência energética para alcançarmos a neutralidade carbónica. Se mantivermos o nosso portfólio obsoleto, não só estamos a perder competitividade agora, como corremos o risco de, no futuro, ficarmos completamente fora do mercado».
O foco em produtos de qualidade e a conformidade com a nova diretiva europeia foram também enfatizados, com Florence Ricou a salientar que «se não fizermos nada, poderemos ter dificuldades em corresponder às expectativas dos nossos investidores».
"Os próximos meses serão cruciais para definir o que podemos esperar em 2025"
A mesa-redonda, moderada por Filipa Arantes Pedroso, Presidente da WIRE, reuniu especialistas do setor imobiliário, que debateram as incertezas e oportunidades do mercado atual. João Duarte, investigador da Nova SBE, abriu as discussões ao destacar as «duas grandes incertezas que vão marcar o contexto português: as taxas de juro e a inflação», frisando que «estamos num ponto de viragem do ciclo de crédito» e que «os próximos meses serão cruciais para definir o que podemos esperar em 2025».
Assunção Cristas, Ex-ministra da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território e sócia e co-responsável da área de Ambiente e Clima da Vieira de Almeida, reforçou a problemática do portfólio imobiliário em Portugal. «Estamos com um mercado ou produto obsoleto. Temos aqui um problema se queremos manter alguma atratividade. Enquanto o mundo está instável, vale a pena trabalhar no que é nosso, naquilo que de facto podemos influenciar e melhorar», disse. A ex-ministra e atual sócia da Vieira de Almeida alertou ainda que «36% das emissões de CO2 estão associadas ao setor do edificado. Temos muito trabalho a fazer. Todos os setores precisam de contribuir para esta causa». Neste sentido, «é necessário pensar nos edifícios de uma maneira diferente, de como vão ser capazes de reagir em condições mais adversas, e tudo isso são outros ângulos de análise que agora passam a estar muito presentes quando se pensa em imobiliário, construir de novo e reabilitação».
Patrícia Viana, sócia e coordenadora da área de prática de Direito Imobiliário da Abreu Advogados, confessou que olha sempre «com alguma desconfiança para estes pacotes que são apresentados de forma 'pomposa'. Hoje, não estamos melhor do que há um ano, quando discutimos o programa Mais Habitação». Relativamente ao programa de Autorização de Residência para Atividade de Investimento, mais conhecido como Golden Visa, afirmou que, no Mais Habitação, «basearam-se numa certa falsidade, ao afirmar que os investimentos imobiliários estavam a causar escassez de habitação, quando já há um ano que não havia investimentos elegíveis para Golden Visa em habitação».
"A instabilidade é o que provoca enorme desconfiança por parte dos investidores"
Quanto ao alojamento local, considerou que «foi hiper diabolizado, com uma série de medidas que roçaram a inconstitucionalidade». Questionada sobre as soluções para a falta de habitação, Patrícia Viana sublinhou a necessidade de «estabilidade legislativa, algo que considero essencial. A instabilidade é o que provoca enorme desconfiança por parte dos investidores».
Por sua vez, João Duarte referiu que «o setor da construção pós-crise ficou muito danificado. O número de licenças e de novos fogos concluídos baixou drasticamente». Os preços da habitação aumentaram, «mas atenção, os preços da economia como um todo também aumentaram». Nos últimos dois anos, «temos assistido a uma moderação dos preços e a uma ligeira queda nas transações. Esta é a realidade atual do mercado habitacional».
Questionada sobre que tipo de soluções podemos apresentar para mitigar a falta de habitação, Assunção Cristas frisou que «é um problema complexo e não há uma única medida que o resolva. Se não forem abordados diferentes ângulos de forma complementar, não haverá resultados possíveis». Para a responsável, «as condições do país para atrair capital são muito relevantes, e a fiscalidade também tem grande importância, principalmente para o setor imobiliário».
Cristas considerou que devemos repensar todo o processo de construção, afirmando que «é incompreensível que não haja construção em altura em Lisboa, o que certamente ajudaria a reduzir o preço por metro quadrado. Não estou a dizer que deve ocorrer em toda a cidade, mas ainda temos bolsas de território disponíveis».
Parcerias público-privadas "estão muito ligadas à confiança"
Patrícia Viana também abordou o tema das parcerias público-privadas, referindo que «estão muito ligadas à confiança. Não se pode forçar um privado a assumir um compromisso quando não há confiança na estabilidade». Para a responsável, «se existe um mercado de gama alta para o promotor investir, por que razão optar por um Build to Rent, que não oferece o mesmo nível de rentabilidade que a gama alta proporciona?».
«O BTR é um 'hot topic' no momento, no Portugal Real Estate Summit foi bastante debatido», ressaltou Patrícia Viana. A apresentação da Câmara de Lisboa, na conferência do Estoril, «transmitiu a ideia de que 'temos aqui um produto espetacular para vender', mas há um problema. Depois não podem revender com um lucro acima de um determinado valor. Porquê?. Não faz sentido».
Os especialistas deixaram uma mensagem objetiva aos governantes do nosso país. Patrícia Viana enfatizou: «Não tentem inventar a roda a cada quatro anos. Estabilizem a legislação e desburocratizem». Assunção Cristas concordou, sublinhando que «a estabilidade dá confiança, pois permite que as pessoas saibam com o que contar». João Duarte também reforçou a importância da estabilidade: «Com ela, atraímos agentes e investimento».