Opinião

O Precipício da Habitação

30/11/2023

O Precipício da Habitação

Ana Gomes

Cushman & Wakefield

A falta de casas é um dos problemas mais sérios em Portugal neste momento. A falta de habitação agrava problemas sociais, potencia a insegurança, afasta os jovens e penitencia o crescimento económico (já de si baixo). A habitação tem um impacto transversal a toda a população. É um problema generalizado no resto da Europa, mas o impacto em Portugal adivinha-se muito mais grave dadas as nossas, piores, condições económicas.

A procura e a oferta de habitação estão cada vez mais afastadas. Construiu-se muito pouco na última década, muitíssimo menos que nas décadas anteriores. Com mais procura e pouca oferta, naturalmente os preços subiram. As medidas recentemente aprovadas e anunciadas mostram que o Governo quis tratar do problema da habitação procurando reduzir a procura, nomeadamente através da quase eliminação dos vistos gold, do fim do regime fiscal para Residentes Não Habituais e do “ataque” ao alojamento local. Estes programas e segmento permitiram o aumento do investimento, ajudaram a potenciar o turismo, criaram emprego e atraíram para Portugal inúmeros profissionais altamente qualificados; porém, no que diz respeito à habitação, constituem apenas uma pequena percentagem dos compradores. A grande fatia da procura vem do mercado doméstico, das famílias de classe média e de quem precisa de comprar ou arrendar casa pela primeira vez. Atacando alguma (pouca) procura em vez de procurar aumentar a oferta só pode contribuir para o agravamento do problema.

Sabemos que vamos ter de viver com inflação e taxas de juro mais altas e por mais tempo, e com maiores dificuldades no acesso a financiamento bancário. Os salários pouco ou nada cresceram nos últimos anos, os custos de construção subiram, a mão de obra disponível na construção baixou, os tempos para licenciamento aumentaram e as exigências na construção também (construções obrigatoriamente mais sustentáveis e energeticamente mais eficientes). Com IVA na construção nova a 23% como se fosse um bem de luxo e não um bem de primeira necessidade (ao contrário da reabilitação urbana em ARU, onde o IVA é de 6%) e ainda IMT, uma grande fatia do preço de uma casa nova provém unicamente dos impostos. O risco de construir casas para a classe média é, assim, bastante elevado porque só o custo da construção, sem o terreno e sem a margem do promotor, já coloca o preço acima das capacidades financeiras da maior parte das famílias.

Se há um problema efetivo de oferta, o Estado deve criar condições para que os privados possam construir mais, em vez de dificultar ou acabar com programas e segmentos de mercado que têm contribuído para o crescimento da economia. É urgente um verdadeiro pensamento estratégico no novo ciclo político que consiga trazer mais casas para o mercado, e temos todos de ter a consciência que qualquer medida a ser implementada hoje só terá efeitos no médio e longo prazo porque qualquer construção demora anos. Quanto mais tempo perdemos com medidas ineficazes, maior será o problema. Quem já é proprietário ganha valor com a subida dos preços, mesmo com as dificuldades associadas às taxas de juro mais altas, porque o valor da sua casa aumenta. Quem ainda está fora do mercado, fora continuará e com cada vez menos perspetivas de encontrar soluções acessíveis, quer na compra como no arrendamento. Mas o mais grave é que perdemos todos – porque o país perde atratividade e capacidade de reter talentos e aumenta a insegurança e a instabilidade.

Ana Gomes - Associada WIRE Portugal, Partner e Diretora de Promoção e Living da Cushman & Wakefield em Portugal

Artigo publicado no Público Imobiliário