WIRE News

Eficiência energética: “Muito do parque habitacional está obsoleto”

alar do setor imobiliário significa também falar de sustentabilidade, dos critérios ESG e de eficiência energética. O tema está, cada vez mais, na ordem do dia, tendo estado em foco no evento “Do caos às soluções: Pensar a habitação em Portugal”,

08/10/2024

Eficiência energética: “Muito do parque habitacional está obsoleto”
WIRE_Abreu Advogados (10)

E se é verdade que Portugal continua a ser um destino atrativo para os investidores imobiliários, também é verdade que “muito do parque habitacional existente no país está obsoleto”. “Temos de acelerar o plano de eficiência energética”, avisa Florence Ricou, CEO da Insula Capital, salientando que, entre os investidores, este é um tema que está constantemente em cima da mesa.

Na sua intervenção – o evento decorreu no auditório da Abreu Advogados –, a responsável diz não ter dúvidas de que Portugal continua a ser um país competitivo em termos imobiliários, sendo ainda capaz de atrair investidores, nomeadamente estrangeiros. Mas deixa um aviso: “Não podemos adormecer. Temos de acelerar o plano de eficiência energética para podermos alcançar a neutralidade [nas emissões]”. 

De recordar que as normas europeias relativas à melhoria da eficiência energética de edifícios proíbem a produção de gases com efeito de estufa por prédios construídos a partir de 2030. Ou seja, a partir de 2030 todos os edifícios construídos estão proibidos de produzir emissões. E mais: até 2050, todos os edifícios devem cumprir com este requisito, sendo que o objetivo é conseguir ter um parque imobiliário com emissões nulas até esse ano.

"Hoje os nossos imóveis são transacionáveis, mas amanhã, em 2030, que é já daqui a seis anos, já não serão. Isto é um grave problema e sinto isso ao falar com os investidores, sejam institucionais sejam ‘family offices'"Florence Ricou, CEO da Insula Capital

“E o que é que estamos a fazer nesse sentido?”, questiona Florence Ricou. “Há que acelerar, porque se nos mantivermos nesta situação, com o portfólio obsoleto que existe, podemos deixar de ser tão atrativos e ficar completamente ‘out’ do mercado. É que hoje os nossos imóveis são transacionáveis, mas amanhã, em 2030, que é já daqui a seis anos, já não serão. Isto é um grave problema e sinto isso ao falar com os investidores, sejam institucionais sejam ‘family offices’”, alerta a especialista.  

Também Assunção Cristas, ex-ministra da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território (responsável pela chamada “lei Cristas”) e sócia e coresponsável da área de Ambiente e Clima da Vieira de Almeida, concorda que é preciso apertar o cinto nesta matéria, até porque em Portugal não há apenas um problema de falta de quantidade (oferta) de casas, mas também um problema de qualidade. 

"É preciso olhar para a construção nova e para a reabilitação de uma maneira mais exigente (...). Há um caminho muito claro a seguir, que é o de qualificar o produto, qualificar o imobiliário, numa perspetiva de sustentabilidade"
Assunção Cristas, ex-ministra da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território

“Não temos qualidade suficiente de casas para aquilo que são os padrões atuais. É preciso olhar para a construção nova e para a reabilitação de uma maneira mais exigente. Olhar para os materiais que se utiliza, por exemplo. Também temos de pensar nos edifícios de maneira diferente, perceber como é que se vão comportar ou reagir a situações mais adversas… Tudo isso são ângulos de análise que agora passam a estar muito presentes quando se pensa em imobiliário e em construir algo novo ou em reabilitar o existente”, sustenta Assunção Cristas. 

A também professora considera, nesse sentido, que “há um caminho muito claro a seguir, que é o de qualificar o produto, qualificar o imobiliário, numa perspetiva de sustentabilidade”. “Há muito trabalho técnico a fazer, muita engenharia, muitos novos materiais, muitas soluções inovadoras, muito ‘smart building’, para garantir estas eficiências todas. E não é só nos materiais, é também nos sistemas, na forma como eles funcionam”, remata. 

WIRE_Abreu Advogados (15)

Evento organizado pela WIRE Portugal juntou especialistas do setor imobiliário| Foto: Miguel Rafael

Estabilidade legislativa, sim ou sim

Outro dos assuntos em debate no evento foi o “fantasma” da instabilidade legislativa em Portugal, um problema que pode levar investidores a “fugir” do país e a apostar noutras geografias, tal como já foi referido por vários players do mercado.

Sobre este tema, Patrícia Viana, sócia e coordenadora da área de prática de Direito Imobiliário da Abreu Advogados, afirma que não haver “estabilidade legislativa afasta muito os investidores, sobretudo os estrangeiros”. “O facto de haver várias alterações na lei faz com que haja uma enorme desconfiança”, sustenta, apelando à importância de desburocratizar o setor. 

O discurso de Assunção Cristas vai no mesmo sentido, sublinhando que é muito importante haver estabilidade legislativa, até para as pessoas, para os investidores, saberem com o que contam. “Mas tenho de ter a humildade de achar que cada um que chega [ao Governo] tem de ter a possibilidade de fazer as reformas, porque é para isso que foi eleito. Concordo com a necessidade de estabilidade, é muito importante para dar confiança aos investidores, mas se tivermos estabilidade nas más soluções não vamos a lado nenhum”. 

Já João Duarte, investigador associado Nova SBE, que também marcou presença no debate, considera crucial haver um acordo político, entre partidos, de forma a fazer com que as medidas aprovadas e legisladas possam sobreviver no tempo: “Sabemos que não existem soluções para o problema da crise na habitação que sejam rápidas de tomar. O mercado da habitação só se consegue resolver a médio/longo prazo, não há soluções de curto prazo. Daí a importância da estabilidade. É importante haver um pacto político na habitação, na fiscalidade (na habitação e no geral) e na justiça”.

WIRE_Abreu Advogados (16)

Especialistas debatem crise na habitação num evento organizado pela WIRE Portugal | Miguel Rafael

Construir em altura: porque não?

Por falar em crise na habitação, o que será preciso fazer para aumentar a oferta de casas no mercado que possam ser compradas ou arrendadas pela generalidade dos portugueses, além de desburocratizar e (bem) legislar? 

“Este é um problema complexo e não há uma medida que o resolva. É evidente que isto se resolve com mais imóveis, imóveis esses que têm de ser construídos por alguém que tenha recursos financeiros”, diz Assunção Cristas, lamentando que não se aposte mais, nomeadamente em Lisboa, na construção em altura. “Isso ajudaria certamente a tornar mais barato o preço do metro quadrado”.  

A ex-ministra toca ainda noutro ponto que considera importante, a tendência existente no país de não se demolirem imóveis antigos e/ou por vezes devolutos: “Há uma coisa que é um tabu, que é deitar abaixo coisas velhas. Há coisas que não têm interesse arquitetónico. Temos um parque imobiliário muito envelhecido e uma parte se calhar passará por demolir e por se utilizar algum do produto da própria obra [em outras]. As construções têm um determinado tempo de vida”. 

Para Patrícia Viana é fundamental, entre outras coisas, tornar o mercado de arrendamento mais atrativo, apostando-se, por exemplo, no Build to Rent (BtR), que ainda não tem expressão no país. A sócia e coordenadora da área de prática de Direito Imobiliário da Abreu Advogados tem uma possível explicação para o insucesso desta iniciativa a nível nacional, até à data: “Se há mercado de gama alta para um promotor imobiliário investir, construir, desenvolver projetos, vender… porquê ir para o BtR, que não lhe dá um nível de rentabilidade igual?”.

Artigo original publicado no Idealista