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"Seria fundamental haver um pacto entre partidos para a habitação”

“Ainda não fomos ouvidas pelo Governo”, diz Filipa Arantes Pedroso, presidente da WIRE (Women in Real Estate) Portugal.

14/10/2024

A WIRE (Women in Real Estate) chegou a Portugal no início de 2022, para facilitar e promover o networking entre mulheres profissionais do mercado imobiliário, sendo que já existia em vários países europeus. Em jeito de balanço, Filipa Arantes Pedroso, presidente da associação, conta que a WIRE começou com 19 associadas e que já tem mais de 80. Mas há ainda um caminho a percorrer.

“O que queremos neste momento é ter mais impacto junto das instituições, junto do Governo, até. Que nos oiçam e que oiçam o que temos a dizer”, revela ao idealista/news.

E quanto a soluções para resolver a crise na habitação e repor a confiança dos investidores no mercado imobiliário, em pleno momento de discussão da proposta do Orçamento do Estado para 2025 (OE2025), a responsável defende que "seria fundamental haver um pacto entre partidos".

Filipa Arantes Pedroso lembra que o objetivo da associação é também “promover as mulheres”, que ainda “são uma minoria nos painéis dos grandes eventos relacionados com imobiliário”, diz, em declarações à margem do evento “Do caos às soluções: Pensar a habitação em Portugal”, que se realizou dia 3 de outubro em Lisboa e foi organizado pela WIRE Portugal.

E será que a WIRE já teve oportunidade de debater com o Governo temas relacionados com o setor imobiliário, nomeadamente sobre a crise na habitação? “Ainda não. Esse é o nosso objetivo este ano e para o próximo. Já temos reuniões marcadas e vamos ver se conseguimos que isso aconteça, como sucede, aliás, em Espanha”, responde.

“Queremos que a WIRE tenha uma palavra a dizer, porque representamos todas as atividades [arquitetura, engenharia, consultoria, promoção imobiliária etc.]. E às vezes a perspetiva da mulher também é um pouco diferente da do homem, por isso gostávamos também que ouvissem a nossa”, apela. 

Crise na habitação? Pacto político rumo à estabilidade

Por falar em crise na habitação, por onde se deve começar, sendo que algumas medidas anunciadas pelo Executivo já estão em vigor – como a isenção de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e de Imposto de Selo para os jovens até aos 35 anos que comprem a primeira casa – e outras ainda estão na gaveta, como a descida do IVA na construção para 6%? Confiança e estabilidade são dois aspetos fundamentais, defende a advogada.

E explica: “O que é fundamental é a parte fiscal, não se conseguiu ainda mexer nisto. O Simplex [dos licenciamentos], por exemplo, foi uma boa medida, [mas] ainda está mal estudada e a funcionar erradamente, porque o grande problema dos promotores é o tempo do licenciamento. E também o custo da construção, que implica uma diminuição do IVA. O problema é a falta de oferta para a procura que há. Em 2001 construiu-se para aí dez vezes mais que agora... Não foi bom o que se passou em 2023 com o programa Mais Habitação [do anterior Governo], porque criou dificuldades e tirou a confiança dos investidores”. 

A solução deve passar, então, por dar estabilidade ao mercado e aos investidores, nomeadamente a nível fiscal, afirma a presidente da WIRE Portugal, salientando que este tema – muito abordado durante o evento – tem sido referido vezes sem conta por vários players do setor. Para tal seria crucial haver uma espécie de pacto entre partidos. “É uma questão de vontade. Infelizmente cada um puxa para o seu lado. Se houvesse vontade de resolver os problemas a sério, as coisas resolviam-se. Habitação, Saúde e Justiça, os partidos deviam entender-se nesses três campos. E um choque fiscal era importante”, remata. 

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Debate de ideias durante o evento “Do caos às soluções: Pensar a habitação em Portugal” Foto: Miguel Rafael

“Medidas certas e depois estabilidade na legislação”

Também Assunção Cristas, ex-ministra da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território (responsável pela chamada “lei Cristas” no mercado de arrendamento) e sócia e coresponsável da área de Ambiente e Clima da Vieira de Almeida, é da opinião que estabilidade e confiança andam de mãos dadas no setor imobiliário, nomeadamente no que diz respeito a medidas relacionadas com o segmento residencial. 

No caso concreto do mercado de arrendamento, “a confiança é o essencial”, diz, sublinhando que a mesma “também se consegue com estabilidade na legislação”. “Medidas certas e depois estabilidade na legislação”, afirma ao idealista/news à margem do evento, que decorreu no auditório da Abreu Advogados.

“A reforma de arrendamento que fui responsável politicamente – em novembro de 2012 no Governo de Passos Coelho, durante a Troika – foi uma pena que tivesse sido depois destruída, no fundo, com muitas alterações, porque isso impediu a tal confiança e estabilidade que traria mais atores económicos para este mercado”, desabafa. 

Ainda sobre a dinamização do mercado de arrendamento, Assunção Cristas toca num ponto que também é amplamente debatido, o facto de existir no país uma cultura de proprietário que é muito difícil de ultrapassar: “Por isso, só com medidas concertadas [entre governos e/ou partidos] e com o tal ganho de confiança que se consegue com estabilidade e previsibilidade é que é possível mudar”. 

A também professora alerta ainda para a necessidade de se passar a encarar o tema da sustentabilidade no imobiliário com urgência e profissionalismo. Até porque é crucial qualificar o parque imobiliário em Portugal, quer o existente quer o que vai ser construído, “de maneira a responder a todas as exigências da legislação”, nomeadamente as europeias. “Temos um parque habitacional para a classe média que está longe daquilo que são as exigências que já impendem sobre todos. E esse caminho deve ser agarrado. Precisamos de quantidade e de qualidade”, conclui.

Artigo original publicado no Idealista